24 de agosto de 2004

He's the man!

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Como já aqui divulgámos, «Jazz no País do Improviso!» teve a oportunidade de passear Branford Marsalis por ocasião do seu concerto no Estoril Jazz.

Hoje temos finalmente tempo para reunir algumas das recordações desse encontro.

A primeira ideia que fica é que Branford é uma pessoa comum. Apanhamo-lo no Hotel Éden por volta das 15h00 e a fome, dele, sugere um almoço rápido. «Cascais Villa is ok for you? It's a shopping center..». «Anyhting quick will do».

De caminho fico a saber que tem um carro igual ao meu e que o adora. Já temos algo em comum, mas infelizmente é mesmo só isso e a paixão pelo jazz. Por falar nisso, quanto ao futuro do jazz e à inovação «It will take time. It's not going to happen from one day to another as people are expecting».

Entramos no parque de estacionamento e subimos à zona da restauração. Os olhos de Marsalis deambulam pelo que há de comes e bebes à vista. «hmmmmm, this chicken feels great». Sentamo-nos na manjedoura colectiva. Ele gosta do que come, acha delicioso. Para nós seria apenas banal, mas eles estão habituados a comer "junk food" a toda a hora e acham isto delicioso. A ideia de fazer a editora Marsalis Music foi dele, confessa. Há poucas oportunidades para o jazz nos grandes nomes da indústria discográfica.

A próxima paragem é na loja da Haagen Dazs. Também gosto, confesso.

Chega de centro comercial. Pomo-nos a caminho da casa de Duarte Mendonça e chegamos já atrasados. Não há cães de guarda na vivenda e o único sinal de alerta é o expressivo "proibido fumar". Tudo bem, ele não fuma e eu também não.

Ele está à porta à nossa espera e encaminha-nos para o andar de baixo, para uma sala com piano. Em cima de uma mesa uma pilha de discos que as mãos de Marsalis percorrem. O piano fica por tocar e o olhar concentra-se nuns quadros que DM tem com a temática do jazz. Eu adoro-os, ele não liga muito.

Subimos ao andar de cima, à sala de estar. Marsalis pega num CD de Billie Holiday e põe a tocar. «É a melhor cantora de sempre. A forma como ela atrasa o tempo! Não conhecia este disco. Tenho de o comprar». «Ah, o Cotton Club!». Na parede está pendurada um fotografia emoldurada deste mítico clube de NYC.

Passamos ao escritório. Duarte Mendonça conta uma estória de como um dia organizou um concerto com uma cantora e um grupo instrumental e a põs a cantar no início do concerto. No intervalo metade da sala debandou... Marsalis ri e ironiza: «The singer always goes on the end, always on the end! What were you thinking? You should have asked me! The singer always goes on the end».

O ambiente é descontraído e aproveito para lhe sacar um autógrafo para os leitores da revista "All Jazz", muito embora ele tenha confessado na viagem de carro que não lê revistas de jazz, nem mesmo as mais conhecidas. «No musician reads them».

Descemos à garagem. Duarte Mendonça quer mostrar o seu Morgan. Ok, eu gosto de automóveis clássicos e Marsalis também.

Seguimos no meu carro para a FNAC de Cascais para visitar a exposição fotográfica dos 30 anos de DM. Branford e DM vão à frente e eu a filmar. O momento é único e importa gravar para mais tarde recordar. Entramos na FNAC e ninguém dá por ele. Ainda se fosse um cantor pimba...

Começamos a visitar a exposição e damos com uma foto de Branford e Wynton no Cascais Jazz de 1983. Ele não gosta do que vê. «Look at that suit!». De facto, 20 anos depois muito mudou na moda... O cartaz da exposição tem uma foto de Wayne Shorter no Estoril Jazz 2003, o que proporciona um comentário: «The best of them all. The father!». Referia-se, claro, aos saxofonistas tenor.

Entretanto, um segurança da FNAC acha que filmar é uma actividade perigosa e portanto pede-nos que desliguemos a câmara. Branford não percebe o que se passa mas não faz mal. Aproveito para lhe ir mostrar os discos dele que estão à venda. «20 euros? Nem pensar. Deixa-me a tua morada e eu mando-te um». Trata-se do mais recente, dedicado ao pintor Romare Bearden, gravado por inspiração de um quadro deste que existia na sua casa de infância.

Vamos ainda comprar uma mala porque as dele sumiram-se no aeroporto de NYC. A senhora da loja diz «que não se pode filmar, que tenho de ter autorização da gerência, que não senhor, desligue lá isso». Pois bem, mas será que ela pensa que trabalha nalguma delegação do FBI?

De volta ao automóvel, rouba-me as minhas bolachas D'Oreo que tinha na mala do carro e explica-me que são americanas e as melhores. Lá se foi o meu lanche... mas ao menos fiquei a saber donde vem o que ando a comer!

Deixamos DM em casa e vamos em busca de uma farmácia em Cascais. Branford sofre de alergia. Páro o carro num local de estacionamento proibido porque não há outro e é só para ir à farmácia. «Can you do that?». «Claro... em Portugal toda a gente faz». «That's great!». «Nem por isso, viver assim é um caos». Ele parece gostar desta forma de ser lusitana. Não admira, nos EUA não há margem para grandes aventuras...

Antes disso, logo à saída de casa de DM, Branford ainda me pediria para parar o carro: «Stop the car, stop the car. Just a moment». Uma rapariga negra sobe uma rua bamboleando as ancas. «Look at that!» Pergunto-lhe se gosta de brancas e ele diz que sim. Depois explica-me as suas preferências e que o mínimo aceitável é uma mulher de 27 ou 28 que já saiba o que quer na vida. Estamos de acordo.

Vamos direitos ao hotel e ponho jazz português a tocar. Ele pergunta o que é mesmo sem saber que é português. Tecnicamente acha bem mas critica a composição: «All the composition is about is scales. Listen... there is no melody, he's just playing scales».

Deixo-o no hotel com muita pena porque a conversa prometia ainda mais. São cinco horas e havemos de nos encontrar mais tarde já nos bastidores do concerto para tirar uma fotografia. Eu aponto para ele e ele aponta para mim. Ambos dizemos «He's the man!».

E é mesmo. O concerto provou-o.

Como pessoa e como músico, Branford é uma personalidade excepcional.


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