10 de fevereiro de 2005

Onde mora o jazz?

Tenho passado estes dias a visionar antigas cassetes VHS com programas de jazz que gravei da RTP no final dos anos 80 e início dos anos 90.

Entre programas como o Som da Supresa, o Outras Músicas, um outro apresentado pelo saxofonista David Sanborn e concertos pontualmente transmitidos, tenho aqui horas e horas de gravações com nomes como Miles Davis, Ella Fitzgerald, Carmen McRae, Sarah Vaughan, Wynton Marsalis, World Saxophone Quartet, Duke Ellintong, Betty Carter, Lester Young, Billie Holiday, Ben Webster, enfim... praticamente todos os grandes nomes do jazz. Isto para não falar de documentários imprescindíveis como o apresentado por Carmen McRae, sobre as grandes vozes do jazz.

Sem estes programas provavelmente eu e muitas outras pessoas teriam passado ao lado do jazz, tão só por falta de exposição ao mesmo. E quem diz o jazz, diz a música erudita ou clássica, ou a dança, ou a pintura.

Passaram apenas 15 anos e tanta coisa mudou. O jazz praticamente desapareceu das televisões, não há um único programa especializado e quando passa algo que tenha a ver com jazz ou música improvisada é atirado para altas horas da madrugada.

Então é caso para levantar algumas questões pertinentes:

Foram os portugueses que mudaram e involuiram e já não querem este tipo de programas?

Foi o fenómeno da privatização que obrigou os canais (nomeadamente os públicos) a ignorar a cultura, remetendo-a para horários fora do prime-time ou anulando-a por completo, em "benefício" de audiências?

Foram as televisões que se orientaram exclusivamente para as maiorias, as quais ignoram o jazz e qualquer música que seja mais difícil de ouvir, não tenha nudez, sexo, boatos, escândalos ou requeira mais atenção?

São os privados, ou a dita sociedade civil, que falham em perceber que nas televisões generalistas o jazz e a cultura em geral não têm lugar e que se impõe a criação de um canal temático na televisão por cabo, tal como se fez para os documentários sobre história, animais, etc., também eles praticamente varridos do mapara dos ditos canais generalistas?

Creio, sinceramente, que o fenómeno se prende um pouco com todas as questões levantadas e merece a nossa reflexão. De facto, parece-me que uma sociedade que depreza a cultura e em que os media a ostracizam é uma sociedade esvaziada de conteúdo, de memória e sem plataforma para evoluir no sentido da civilização e da maturidade social. É uma sociedade expropriada de opções, da diferença, do contraste, do contraditório cultural. É, em suma, uma sociedade que não só caminha para o embrutecimento como tem sérias dificuldades para surgir com novas ideias, novas propostas culturais e mesmo novas formas de organização social e política.

É só a minha opinião. E tudo isto porque me lembrei de ir arrumar os arquivos.

A vida tem destas coias...

Já agora aqui fica um desafio; o desafio de que no campo do jazz Portugal não tenha de se cumprir como país mesquinho e de quintinhas. O desafio a que programadores, produtores de jazz, clubes, escolas se sentem à mesa com o canal 2 (que se afirma como espaço da sociedade civil organizada...) e se organizem para produzir um programa de jazz. Bastava, para tal, que tal programa exibisse as excelentes séries estrangeiras, tivesse um espaço para a divulgação do trabalho de músicos portugueses e uma agenda com os principais eventos a nível nacional ou ibérico. E mais: poderia ainda utilizar os riquíssimos arquivos da RTP, repondo concertos históricos do Cascais Jazz, do Estoril Jazz ou do Jazz em Agosto.

Será assim tão difícil construir a morada audiovisual do jazz em Portugal?

Cá estaremos para dar o nosso contributo.


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