27 de agosto de 2005

Quem silenciou Keith Jarrett?

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A propósito do post em que manifestavámos interesse em recolher material relativo à história do jazz em Portugal, o nosso leitor Rui Fernandes enviou-nos gentilmente um artigo de Pedro Osório sobre o concerto que o pianista Keith Jarrett protagonizou no Coliseu de Lisboa, em 24 de Junho de 1981.

Vale a pena ler esta história e perceber, provavelmente, uma das razões pelas quais Jarrett não voltou a pisar palcos portugueses... Este texto, assim o autor o permita, tem entrada directa no nosso livro.

Para já pode ser lido aqui ou na publicação "30 DIAS" da Câmara Municipal de Oeiras, no número de Agosto:


Keith Jarrett no Coliseu

Foi numa noite de Junho de 1981 que Keith Jartett veio fazer em Lisboa um concerto de improvisos em piano solo, que se previa, como veio a verificar-se, ser uma das raras oportunidades de escutar ao vivo, e na disciplina em que ele atingiu os mais elevados padrões, um dos músicos mais geniais do século XX.

Comprei bilhetes para esse concerto poucos minutos depois de serem postos à venda três meses antes, e os dias que decorreram desde então até ao espectáculo foram de ansiedade crescente.

Na noite de 24 de Junho cheguei ao Coliseu com a sensação de me encaminhar para uma cerimónia iniciática que sabia ser irrepetível. As poucas gravações realizadas em concertos semelhantes, o de Colónia e os do Japão, não deixavam dúvidas de que seriam duas horas para recordar minuto a minuto.

Quando o pianista entrou e se dirigiu ao Steinway de concerto, de ténis e toalha na mão como habitualmente, aconcheguei-me melhor na cadeira incómoda e preparei-me para uma noite de puro prazer. O que se passou de seguida continua a servir-me, ainda hoje, como tema de reflexão sobre as dificuldades do nosso país em ultrapassar um certo tipo de problemas que lhe vão aparecendo ao longo do tempo.

Tinham decorrido poucos minutos de música, a aura do génio começava a envolver-nos, quando um grupo de assistentes da galeria soltou um despropositado 'wow!' seguido de diversos gritinhos.

Keith Jarrett parou de tocar, assustado, e olhou para a plateia. Esta reagiu com um "chiu" que pareceu tranquilizá-lo e após uns momentos de hesitação recomeçou a tocar. Pouco tempo de tréguas lhe e nos foi dado, porque bastou uma "malha" mais 'bluesy' para outros energúmenos lançarem um ruidoso 'yeahhh!'. Aí Jarrett zangou-se, pegou na toalha e saiu do palco. O organizador do espectáculo veio a cena pedir respeito e silêncio, levou palmas da plateia e alguns apupos da galeria.

Abreviando a história; este ambiente manteve-se, o músico voltou ao palco, foi mais duas vezes interrompido pelos selvagens, e deu um concerto curto e que nunca pode chegar, nem de perto, ao que dele justamente se esperava.

Keith Jatrett saiu dali jurando que nunca mais cá punha os pés e eu saí com lágrimas de raiva por ter perdido uma oportunidade que sabia ser única, e com uma grande inquietação por esta coisa simultaneamente maravilhosa e preocupante que é a de ser português.



Já agora, recomendo a leitura do artigo de Pedro Osório sobre o seu encontro com Luís Villas-Boas.

5 Comments:

At sábado ago. 27, 09:29:00 da tarde 2005, Blogger pb said...

Esta triste história infelizmente eu já conhecia...
Culpo esses selvagens por não ter tido nunca a oportunidade de ver e ouvir Keith Jarrett em Portugal.
Esta história faz-me lembrar uma outra a que assisti num concerto no Coliseu do Porto, Paco de Lucia, em que uma parte do público em dados momentos se entusiasmava despropositadamente, batendo palmas e patarruadas à lá Gipsy Kings, olé bandolero!...
enfim, uma vergonha e uma lástima!
Não gosto de pensar assim mas às vezes parece-me que cada país tem aquilo que merece.

 
At domingo ago. 28, 04:12:00 da manhã 2005, Anonymous Anónimo said...

Eu assisti ao concerto e, apesar de não desmentir as palavras de Pedro Osório, deixe-me que lhe diga que o Keith Jarrett tb estava especialmente "sensível" nesse dia. Deu-lhe para embirrar com tudo. Com o fumo da sala, com os ruidos, etc, etc. Foi um concerto para esquecer. Se é verdade que uma parte do público se portou como animais, verdade é tb que o músico veio com pose de génio e uma altivez do tipo de estar a tocar para os selvagens. Será que noutras salas por esse mudo fora ele só encontra público bem comportado ? Somos nós a excepção ? Não me parece.

 
At domingo ago. 28, 12:13:00 da tarde 2005, Blogger JMS said...

São importantes estes testemunhos.

Alguém sabe quem produziu o concerto e se foi gravado pela RTP?

 
At domingo ago. 28, 05:02:00 da tarde 2005, Anonymous Anónimo said...

Mais uma achega: Keith Jarret tinha estado antes em Portugal, integrado no conjunto de Miles Davis, em Cascais, a 20 de Novembro de 1971. Mas como aí não lhe deu nenhum ataque de "prima donna", ou talvez o público fosse mais civilizado.

 
At domingo ago. 28, 07:13:00 da tarde 2005, Anonymous Anónimo said...

É bem verdade. E ainda tinha estado no final dos anos 60 em Cascais, no clube Louisiana, com Chalres Lloyd. Aí era então um ilustre desconhecido.

:)

 

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