10 de janeiro de 2007

Maria Anadon: "À conquista de plateias por esse mundo fora"

maria.jpg

Maria Anadon é uma das melhores e mais versáteis vozes portuguesas do jazz e acaba de lançar um novo CD made in USA que não deixa qualquer dúvida a esse respeito. A Jazzy Way marca não só o seu regresso aos estúdios como também a participação numa banda multinacional exclusivamente feminina. Em Portugal apresenta-se já no próximo dia 13, no Forum Romeu Correia, em Almada, com um grupo latino. JNPDI! aproveitou a oportunidade para saber mais sobre os seus projectos e carreira.

JNPDI: Como é que se começa a cantar jazz num país de fado?

Maria Anadon: Começando por ouvir por volta dos 15, 16 anos com os amigos. Os amigos podem ser uma influência preciosa nalguns casos, relembro que por volta de 1977,78 por aí, ainda estávamos numa época em que alguns de nós tínhamos gira-discos e nos juntávamos para ouvir música. Havia o hábito de partilhar música, mas não no sentido de empresta aí que eu faço uma cópia. A situação mais comum era, se alguém ía fora e trazia um disco novo (há que relembrar que o mercado era muito fechado) partilhava-o com os amigos, depois o máximo de "pirataria" era fazer-se uma k7 que se ouvia até partir. Esse ouvir, no que me diz respeito, era muitas vezes feito na minha casa com mais uma série de músicos e gente que gostava de tocar e cantar e em que a escuta era atenta ao ponto de se tentar perceber que sax era (alto, tenor), onde é que está o prato simples da bateria, etc... no fundo eram quase aulas de treino auditivo. Felizmente os amigos ouviam Jazz e música clássica e essas influências ficaram e fizeram de mim a cantora de Jazz.

JNPDI: E, já agora, como é que uma cantora portuguesa consegue essa lança em África que é gravar um disco de Jazz na pátria do... Jazz?

M.A.: Quando comecei a trabalhar neste projecto a ideia inicial era trazê-las e gravar em Portugal, conjugando a gravação com concertos, tal como no meu primeiro cd, mas tanto eu como o Carlos Ferreira (responsável pela concretização desta iniciativa) começámos a achar que seria muito mais interessante sobretudo economicamente gravar nos EUA. No entanto, qualquer pessoa pode gravar nos US, editar é que já é outra coisa... Depois deste trabalho estar feito, foi a Sherrie Maricle, líder das Five Play e das DIVA Jazz Orchestra, que me levou a conhecer o seu manager, o Sr. Stanley Key (neste momento, meu manager em NY, dado que me convidaram a fazer parte dos dois grupos), e juntos apresentaram o A Jazzy Way à editora Arbors Records. Acho que estava no sítio certo à hora certa. Depois de tantos anos a cantar e a divulgar o Jazz, já não se está à espera que situações destas possam acontecer.

JNPDI: Este CD é, mais uma vez, um disco exclusivamente feminino, tal como o Why Jazz, de 1994. Coincidência ou opção?

M.A.: Depois de tantos anos a seguir ao primeiro cd, em que cantei o dois cd's em Português - Cem anos do cinema português (graças a Deus que as cantoras de jazz agora já o podem fazer com melhor aceitação) e Cantar poetas Portugueses, em Itália, a convite do pianista italiano Arrigo Cappelletti (Sofia de Melo Breyner, Mário de Sá Carneiro, Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa ou até mesmo Camilo Pessanha) - numa tentativa de inovação e busca de novas sonoridades, inserção de um violoncelo e um acordeão numa abordagem ao Jazz que eu pretendia diferente, apeteceu-me voltar aos standards, que no fundo sempre me acompanharam. Quem melhor do que o primeiro grupo com quem gravei para o fazer? Passaram 12 anos e o Why Jazz? continua a ser um cd de que eu gosto. Daí a retomar o contacto com a Sherrie - que ao longo dos anos fomos tentando sem conseguir (tanto eu, como a Sherrie); muda-se de casa, de vida, de cidade e esquecemo-nos que existe uma "coisa" chamada net que nos põe em contacto com todo o mundo - foi um passo e foi com grande emoção que retomámos uma parceria que nunca devia ter sido interrompida. A escolha para este cd parece-me evidente, são excelentes músicos que vivem e respiram o Jazz da mesma forma que eu, com a vantagem de viverem no meio onde tudo acontece.

JNPDI: Fale-nos um pouco destas instrumentistas que a acompanham?

M.A.: Sherrie Maricle (baterista) é a lìder das Five Play e das Diva Jazz Orchestra, uma líder por excelência, um excelente músico. Não gosta de cantoras, mas convidou-me a integrar as suas duas formações, pelos vistos gosta de me ouvir cantar... [risos] Tomoko Ono é uma pianista de uma sensibilidade e cumplicidade no seu modo de acompanhar que me dá todo o chão que preciso para cantar e inventar. Anat Coehen é saxofonista, clarinetista, Pandeirista - não sei se o termo existe - e em NY tive a oportunidade de a ver tocar vibrafone. Se há pessoas talentosas Anat é sem dúvida uma delas. Tenho a certeza que será um dos músicos que mais vai dar que falar. Um prazer ser acompanhada por ela. Noriko Ueda é uma contrabaixista com um tempo excelente, é uma improvisadora fantástica e também uma criativa nos arranjos, um músico que gostaria de ter por perto sempre.

B000KRN0DC.01._SS500_SCLZZZZZZZ_V34585363_.jpg

JNPDI: Como decorreu a gravação deste disco? É muito diferente gravar em Portugal ou nos EUA?

M.A.: A gravação deste Cd ocorreu depois de um ensaio onde as conheci, no dia 5 de Junho, onde se fizeram os arranjos, onde descansámos por sentirmos que iria ser um óptimo trabalho. No dia 6 montou-se o material, fez-se som e concluiu-se o trabalho por volta das 7 da tarde. O cd misturou-se e masterizou-se no dia 7 e estava pronto. Quando gravei o primeiro cd, a convite do Nanã Sousa Dias, a diferença em termos de timing não diferiu muito, o Nanã é um músico que sabe como as coisas no Jazz funcionam, os músicos têm de tocar juntos, não há situações do "refaz por favor a linha de baixo... ou outra coisa no género". No Jazz vive-se em conjunto, para que a musica respire em simultâneo. Obviamente não há muitos Nanás, nem muitos estúdios com a capacidade de ter uma banda a tocar em simultâneo e os que existem são impraticáveis para a minha bolsa. Nisso NY dá cartas, com material de primeira linha.

JNPDI: Como foram seleccionados os temas?

M.A.: Fui eu que os seleccionei, são temas que me apetecia gravar fazia bastante tempo. Sugeri e foram aceites. No entanto estava aberta a sugestões.

JNPDI: O vocalese é também um elemento aliciante neste disco, nomeadamente o tema "Confirmation", de Charlie Parker. Acredita que o vocalese e o scat singing ? que poucas das cantoras actuais fazem ? faz realmente a diferença entre uma verdadeira cantora de jazz e uma cantora que apenas canta standards?

M.A.: Vou responder desta forma: apesar de eu improvisar nalguns destes temas, existiu uma senhora, uma grande referência do jazz, que tinha uma extensão vocal de 9 notas apenas e que se saiba nunca improvisou uma nota. Será que foi menos cantora por isso? Estou-me a referir à Miss Billie Holiday.

arbors.jpg

JNPDI: É bem patente a influência da música brasileira em alguns dos temas em A Jazzy Way e "One note samba" é, a propósito, uma extraordinária interpretação. É um caminho a explorar ainda mais num próximo registo?

M.A.: Não foi premeditado esse puxar para um ritmo mais brasileiro numa ou outra música, foi o arranjo que se fez e o que a música sugeria. No que refere ao "One Note Samba" foi uma gracinha, quase um bónus track. Elas queriam que eu cantasse qualquer coisa em português, para além de eu neste Cd não ter intenções de o fazer, elas associam o português à musica brasileira. Obviamente que não conhecem nada da nossa música e a única coisa que me ocorreu, foi podermos percutir todas o tema, mesmo eu, e acabou por sair um tema que curiosamente tem aberto - não por sugestão minha - algumas das entrevistas que tenho dado na rádio. Um caminho a seguir? Não pensei nisso, quem sabe...

JNPDI: Há um tema que me impressiona e cativa particularmente neste disco: "Black Coffee". Nunca o tinha ouvido tão bem cantado depois da fabulosa versão por Sarah Vaughan. De quem é o arranjo?

M.A.: O arranjo desse tema é meu de há muitos anos. Aqui acabei por juntar a Anat dado que inicialmente cantava-o só com contrabaixo. Acho que ficou quase um lamento. É sempre muito agradável quando se consegue tocar alguém com uma interpretação. Obrigada.

JNPDI: Por falar em Sarah Vaughan? quem são as suas principais referências no jazz vocal?

M.A: sem dúvida a Sarah Vaughan é uma das minhas referências, mas eu costumo dizer em brincadeira que aprendi com a "ela". Ella Fitzgerald é sem dúvida a minha Primeira dama no Jazz. Mais tarde uma Carmen McRae, uma Betty Carter (que tive o previlégio de conhecer pessoalmente) e de uma forma geral as cantoras cujo registo é mais grave e me sinto mais próxima: Dee Dee Brigewater, Cassandra Wilson e Rachel Ferrel, para inumerar algumas.

JNPDI: O que podemos esperar do concerto no Fórum Romeu Correia no próximo dia 13?

M.A.: Uma entrega total de energia e musicalidade, desta vez com um sabor a Latin Jazz nalguns temas, dado que tenho um pianista cubano, o Victor Zamora, um percussionista argentino o Sebastian Cherriff, Guto Lucena (saxofones), brasileiro, Gustavo Roriz (contrabaixo), brasileiro, e Marcelo Araújo (Bateria), brasileiro.

JNPDI!: E da Maria Anadon, que pode o público esperar, isto é, que projectos tem em mente?

M.A.: No final do ano passado ao integrar as Five play participei em quatro concertos no Cork Jazz Festival ao lado de grandes nomes do Jazz internacional, donde a continuação de conquistar plateias por este mundo fora é sem dúvida a minha maior prioridade. Neste momento estou em preparação para uma primeira série de concertos nos EUA entre Abril e Maio.

1 Comments:

At quinta jan. 18, 05:12:00 da tarde 2007, Anonymous Anónimo said...

Esta sim ! A Maria Anadon e a Fátima Serro , sim!
Estas 2 são autênticas cantoras de Jazz!
A estas tiro o chapéu !!!
Maria Viana

 

Enviar um comentário

<< Home


Site Meter Powered by Blogger