9 de fevereiro de 2008

Enrico Rava: "O Jazz não é um género, o Jazz é uma linguagem"

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Enrico Rava. Foto cortesia do CCB.

Enrico Rava, tromeptista italiano (nascido em Trieste, em 1939) que grava para a ECM, toca no próximo dia 16 com o seu quinteto no Centro Cultural de Belém, composto por Gianluca Petrella (trombone), Andrea Pozza (piano), Rosario Bonaccorso (contrabaixo) e o português João Lobo (bateria).

JNPDI! publica hoje a entrevista que Rava concedeu a Maria Ana Freitas para o programa do CCB, desde já agradecendo a esta instituição pela autorização para reproduzirmos este interessante diálogo.

No concerto de 16 de Fevereiro, no CCB, apresentará o seu mais recente disco The Words and the Days. Pode falar-nos um pouco sobre este trabalho?

É um disco que fiz com o meu quinteto habitual, que é uma espécie de all stars da música italiana. São quase todas faixas novas, escritas para este disco, mais uma composição de Russ Freeman e outra de Don Cherry, e ainda uma faixa minha que já tinha gravado há vinte anos. No entanto, o concerto não será apenas sobre este disco, incluirá faixas de discos anteriores e talvez também faixas novas que ainda não gravei.

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A faixa de Russ Freeman que referiu, "The Wind", foi Chet Baker que a tornou famosa?

Exactamente.

É como uma homenagem? Em tudo o que fui lendo sobre o seu trabalho, surgem sempre referências a Chet Baker e Miles Davis como influências fundamentais.

Sim, é verdade. E, querendo, pode-se ver este "The Wind" como uma homenagem, certamente.

É impossível falar consigo e não regressar um pouco aos anos sessenta e setenta, ao período em que viveu em Nova lorque, quando o seu trabalho se aproximava mais do free jazz... Pode falar-nos um pouco desse período?

Eu cheguei a Nova lorque em 1967, num período verdadeiramente extraordinário porque ainda estavam no activo os grandes mestres do passado, por exemplo Duke Ellington, Louis Armstrong, Coleman Hawkins, enfim, momentos de grande brilhantismo, Miles Davis, Gillespie... Havia, na altura, novos músicos que se identificavam mais ou menos comigo: Ornette Coleman, Archie Shepp, CeciI Taylor, Carla Bley, todos eles tocavam em Nova lorque, tocavam em clubes, faziam pequenos concertos...

Foi um período que influenciou muito a sua carreira...

Claramente. Naquela altura, porque tinha ido para Nova lorque para tocar com o grupo de Steve Lacy, estava muito ligado à área do free jazz. Mas como sou um grande apaixonado pelo jazz, ia ouvir Duke Ellington ou o Miles. Vê-Ios assim a tocar, nos clubes, era uma coisa extraordinária! Havia uma actividade maravilhosa! Depois, infelizmente, em poucos anos os velhos começaram a desaparecer e o free jazz foi perdendo o seu dinamismo.

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Entretanto, durante a sua carreira teve sempre vontade de evoluir; de acompanhar o desenvolvimento do jazz, não parar…

Absolutamente. Comecei a tocar muito cedo: o trombone quando tinha dezasseis anos, com bandas dixieland, depois com o trompete comecei a tocar jazz moderno, toquei à la Miles, à la Chet, toquei bebop... Posteriormente, enveredei pelo free jazz e fui viver para Nova lorque... Mas, mais uma vez, senti que tinha chegado a hora de mudar, de voltar a utilizar a melodia, o tempo, etc., e afastei-me muito do free jazz, conservando no entanto um modo muito livre de viver a música, de a tocar. O free jazz foi muito importante para mim, no entanto é um género que não... Porque o jazz não é um género, o jazz é uma linguagem, dentro da qual há muitos géneros: o new orleans, o dixieland, o swing, o free jazz, o hard bop, o bebop... Não me interessa muito falar de géneros, interessa-me mais a linguagem, e dentro dessa linguagem pode-se tocar qualquer coisa, posso tocar uma canção italiana que dentro dessa linguagem se torna jazz.

Para além deste quinteto com o qual se apresentará em Lisboa, tem outro projecto, o Enrico Rava New Generation.

Sim.

Acompanhar a nova geração de músicos é também uma forma de acompanhar os novos caminhos do jazz?

Para mim, é-me indiferente se são jovens ou velhos. Quando me encontro com músicos que estão sintonizados na minha onda, não importa se são miúdos ou velhos... É óbvio que me dá muito prazer ajudar músicos muito jovens e cheios de talento, ajudá-los a entrar nos circuitos de trabalho, dar-lhes um pouco da minha experiência. Ao mesmo tempo, aprendo muito com eles, com o seu entusiasmo, e mantenho-me em contacto com o que está a acontecer hoje no jazz, com o que os jovens estão a fazer... É muito estimulante, acabo por dar e receber, e isso agrada-me muito. Para além disto, tenho ainda outro projecto, de que saiu agora um novo disco: um dueto com Stefano Bollani. Tocámos em Milão há dias, e já temos muitos concertos agendados até ao fim do ano e início do próximo, vamos em tournée a Inglaterra, e também queremos ir a Nova lorque... São estes os três projectos principais em que participo: o quinteto, que é a coisa mais importante, o dueto e o New Generation.

Faz parte do projecto de Siena, o Siena Jazz, para jovens músicos, não sei se também é professor...

Não, não, eu não sou professor, nem sequer tenho capacidades para ser professor. A única coisa em que participo é no Siena Jazz, onde participo há mais de vinte anos. Dantes fazia o curso todo, agora vou só por três ou quatro dias. É muito interessante para mim, porque chego mais ou menos no fim e eles já seleccionaram os melhores. Limito-me a organizar grupos de trabalho com os melhores e trabalho quatro ou cinco dias com eles, tocamos a minha música ou outras coisas, toco com eles, transmito-lhes um pouco da minha experiência enquanto tocamos, conversamos um bocado, faço críticas, observações... Estes seminários são muito interessantes, e muito frequentemente acabo por me encontrar com músicos que depois vêm a tocar comigo, como aconteceu com o Gianluca Petrella, que é o trombonista deste disco The Words and The Days.

Conheceu-o em Siena, no Siena Jazz?

Em Siena há dez anos. Ele tinha vinte anos e logo a seguir foi em tournée comigo ao Canadá. Estou muito contente porque, entretanto, o Gianluca tornou-se de tal maneira importante que este ano, e também no ano passado, ganhou na América a votação dos críticos da revista DOWN BEAT como melhor trombonista do mundo, "The number one"... é muito relevante! Deveu-se também ao facto de ter tocado comigo na América e de ter gravado discos, para além de estar agora a gravar para a Blue Note, como é evidente. De qualquer forma, tocar comigo abriu-lhe muitas portas, certamente.

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João Lobo. Foto cortesia do CCB.

Conhece o jazz português? Quais os músicos que considera mais interessantes?

Confesso que não conheço o jazz português. Há um baterista português de que gosto muito, foi comigo agora ao Canadá e será o baterista do New Generation. Chama-se João Lobo. Gosto muito dele e conheci-o precisamente em Siena. É um baterista verdadeiramente extraordinário e muito original. No entanto, em geral, não conheço o jazz português, não chega aqui, chega pouco à Europa, nem os discos chegam. Tenho pena, mas não conheço.


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