28 de fevereiro de 2008

SF Jazz Collective na Casa da Música

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Foto cortesia da Fundação Casa da Música

Tivemos oportunidade de assistir ao concerto realizado pelo grupo SF Jazz Collective no passado dia 26 de Fevereiro, na Casa da Música, ao qual nos deslocámos a convite desta instituição.

Embora à partida se pudesse esperar o melhor deste combo, a verdade é que as expectativas foram ultrapassadas, sobretudo se comparado o presente concerto com o que tivemos oportunidade de ver no Estoril Jazz, em Julho de 2007.

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Foto cortesia da Fundação Casa da Música

Para tal contribuíram sobretudo dois músicos – Stefon Harris (vibrafone) e Matt Penman (contrabaixo), ambos em excelente forma – o repertório mais actual de Wayne Shorter e temas mais interessantes da autoria dos elementos deste colectivo.

Mas vamos por partes.

Stefon Harris, que no Estoril Jazz não esteve ao nível aqui evidenciado, foi a estrela da noite neste octecto. A sua sensibilidade musical, por um lado, o total domínio do seu instrumento, por outro, e a criatividade e subtilezas que evidenciou em palco foram, com efeito, difíceis de igualar pelos seus companheiros. Restam, assim, poucas dúvidas de que Harris é cada vez mais um legítimo herdeiro de Milt Jackson e Bobby Hutcherson (que integrou em tempos o SF Jazz Collective). Matt Penman, pode dizer-se sem exagero ou precipitação, revelou um grande salto qualitativo relativamente a última vez que o vimos e ouvimos ao vivo. A sua capacidade de impulsionar o colectivo e de lhe conferir um pulso firme e swingante foi inabalável, o mesmo se podendo dizer do solo em “El Gaúcho”, uma composição de Shorter com arranjo da sua autoria.

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Fotos cortesia da Fundação Casa da Música

Esta apreciação de Harris e Penman em nada diminui, porém, a prestação dos outros seis elementos do SF, apenas significando que estes tiveram uma noite de melhor desempenho e evidência. Aliás, seria injusto não mencionar o excelente trabalho da pianista Renee Rosnes, bem como de Eric Harland (quanto a nós um dos melhores bateristas da actualidade e também um dos mais versáteis) e dos solistas Miguel Zenón (que continua a surpreender e a afirmar a sua elevada competência e qualidade no saxofone.alto), Dave Douglas e Joe Lovano (o mais aplaudido, ele que é no presente um dos expoentes do saxofone-tenor, facto que não terá passado despercebido ao público).

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Foto cortesia da Fundação Casa da Música

Também o repertório do Octeto se revelou um ponto de interesse neste concerto, seja pelos temas de Wayne Shorter, seja pelos originais. Da estante de Shorter vieram para palco “Black Nile”, “Armageddon”, Diana”, “El Gaúcho” e “Yes or No”, respectivamente arranjados por Robin Eubanks, Miguel Zenón, Renee Rosnes, Matt Penman e Eric Harland. A incursão deste colectivo de excepção pelo repertório de Shorter veio uma vez mais fazer ampla justiça à sua qualidade como compositor, um dos mais importantes do jazz contemporâneo.

O tema da noite veio, todavia, da alma de Stefon Harris (e este é mais um motivo para o considerar o protagonista deste concerto) e dá pelo título de “Road to Dharma”. Este é um tema claramente bem conseguido e desenvolvido, que resulta muito bem do ponto de vista melódico e harmónico e que gerou empatia imediata com o público. Não deixa de ser ainda significativo que numa época em que os títulos das canções raramente têm algo a ver com o ambiente que estas projectam, Harris tenha conseguido também aqui ser bem sucedido. É verdade que esta devia ser uma obrigação de qualquer composição, mas também é verdade que a prática tem mostrado que nem sempre assim sucede… seja por imperativos de marketing, seja por outras razões.
Ao nível dos originais do octeto, também Dave Douglas contribui com um tema muito interessante e onde realmente se demarcou a nível solista. Referimo-nos a “Secrets of the code”. Infelizmente perdeu-se o hábito de explicar ao público a história por detrás de cada tema e talvez seja por isso, em parte (só em parte), que as novas composições demoram tempo a tornar-se standards. Falta a história para além da música; a história que, em temas instrumentais e complexos, ajuda a construir pontes e vínculos com o público.

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Foto cortesia da Fundação Casa da Música

Em síntese, podemos dizer que este foi um concerto bem conseguido e um espectáculo que guardou o melhor para o fim. Pena foi que o som não tenha estado irrepreensível, fazendo com que por vezes fosse difícil ouvir o vibrafone ou que a bateria soasse demasiado alta em volume.

Do país do Jazz ao país que Jaz…

É um lugar de contrastes este país que num dia nos dá a ouvir jazz na ultramoderna e sofisticada Casa da Música e no outro nos mostra, cruelmente, as feridas do atraso crónico em que Jaz.

E é a viagem que fizemos de comboio que, qual cateter cirúrgico, melhor evidencia tais feridas, bem visíveis logo “ali ao lado” da Casa da Música, no apeadeiro (chamar-lhe estação é um esforço de que não me acho capaz) de Vila Nova de Gaia, cujas construções de madeira que o pontuam em nada destoariam na pitoresca paisagem dos anos 40 e certamente receberiam bem as mercadorias e os passageiros dos comboios a vapor que então por ali paravam.

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Damos por nós a perguntar se Luís Filipe Menezes também achará que esta não é a sua Gaia… ainda que presida ao seu executivo autárquico. Concedendo-lhe o benefício da dúvida, admita-se ainda que talvez se dê o caso deste ter outras prioridades para o seu mandato, pensamento que me chega pela memória das palavras que no dia anterior lançou na SIC notícias a propósito do custo da interdição de publicidade na RTP, medida que pretende implementar caso a maioria dos 10 milhões de eleitores já se tenham esquecido das suas lamentáveis intervenções nesta mesma RTP (a propósito das viagens fantasma) e do episódio triste que protagonizou no Coliseu de Lisboa e resolvam elegê-lo nas próximas legislativas para tratar desta “prioridade” que, num país assolado pelo desemprego e pela pobreza, se percebe que é precisamente a mais premente… Está claro de ver quem pagaria à RTP o défice criado por tal medida, assim como se percebe a quem aproveita nesta fase o estratégico piscar de olho aos operadores privados de televisão.

Voltando aos ditos barracões (que até têm um certo interesse museológico e poderão mesmo interessar à Polónia se um dia for necessário reconstituir Auschwitz), bem sabemos que a responsabilidade é da REFER, mas de um homem que exige tudo a todos (incluindo a omnipresença e a omnipotência) não se pode esperar menos do que a capacidade de pôr em prática na sua própria casa o que prega na terra fácil e facilitadora dos media nacionais. Afinal de contas, não é Vila Nova de Gaia que vê a sua imagem prejudicada pela presença destes pavilhões jurássicos numa linha que também é turística?

São agora 12h00 e o comboio avança direito a Lisboa, mas por vezes parece que ele está estacado e que é o país que rola pelos carris. Um país que, por um insondável acto de sadismo, escancara as suas traseiras, exibindo as respectivas misérias aos passageiros que, isolados do exterior e na tranquilizadora insonorização das carruagens, pendulam no Alfa que demora ainda e sempre quase as mesmas três fatídicas horas a ligar Lisboa ao Porto.

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O Portugal que assim se mostra é um país parido pelas mentalidades, esquemas e interesses corruptos onde até as melhores intenções de Salazares, Soares, Sá Carneiros, Cavacos, Guterres, Durões, Santanas e Sócrates sucumbiram Governo após Governo. E é, também, uma afirmação inequívoca de atraso, pequenez e falta de visão colectiva.

Não espanta, pois, que pela ampla janela entrem sobretudo ruínas de fábricas, campos abandonados, lixo (muito lixo), casas pobres (algumas delas até nos poderiam servir uma merenda se por acaso o comboio resolvesse aí parar, tal a tangencial margem que as separa da linha…), algum gado, carruagens que definham no meio do mato e, claro, esse verdadeiro símbolo de Portugal que são os canaviais. Se alguém tomasse a parte pelo todo facilmente pensaria estar na região de Chernobyl. E na verdade embora a causa deste torpor e devastação social e económica que nos envergonha como país não seja a energia nuclear, as suas raízes estão bem presas ao núcleo do coração político que continuamente bombeia para os vários órgãos litros de legislação estéril ou previamente esterilizada. Legislação à prova de qualquer eficácia e responsabilização, entenda-se.

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Passaram quase duas horas e meia e Lisboa já se adivinha ao longe, com o comboio “da verdade” a circular ora a 200 kmh, ora a 80 kmh, fruto das condições (ou da falta delas) da linha. Desengane-se, porém, quem ingenuamente pense que a aproximação a Lisboa traz melhorias neste cenário Dantesco. Antes pelo contrário: aumenta o lixo, aumenta o betão, o caos urbanístico explode no campo de visão e só a Estação do Oriente mostra algum sinal de modernidade. Mas talvez seja mesmo só um sinal porque na verdade o país real, do cimento e dos interesses, rapidamente se encarregou de resgatar a promessa duma nova cidade na Expo, afundando-a na mediocridade contemporânea do excesso de construção e da densidade absurda. Neste Portugal de sempre, aliás, a comunicação janela a janela ameaça superar a velocidade de qualquer SMS ou comunicação por banda larga, tal a proximidade entre vizinhos e vizinhanças.

No final desta ida ao Porto fica uma certeza: entre o CCB e a Casa da Música há todo um país a quem têm andado a dar demasiada música… de baile. E fica também uma questão: não seremos todos cúmplices e coniventes com a desarmonia deste Portugal dos pequeninos?

2 Comments:

At quinta fev. 28, 10:23:00 da tarde 2008, Blogger odete pinto said...

Um retrato lúcido, factual, tristemente real.

 
At sexta fev. 29, 09:15:00 da manhã 2008, Blogger Vespinha said...

Por isso é que, em viagens de Alfa (essa ou Lx-Algarve) vou sempre com a cabeça enfiada num livro... como se a tivesse enfiada na areia.

 

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