31 de julho de 2009

Saint-Exupéry em Portugal há 70 anos

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Antoine de Saint Exupéry. Agence France-Presse

No exacto dia em que se assinala em Marselha o 65.º aniversário da morte de Antoine de Saint-Exupéry (1900/1944), JNPDI recorda a sua passagem por Portugal há 70 anos.

Às 05h52 da manhã de 8 de Julho de 1939, o autor de O Principezinho (obra que só escreveria três anos depois, em 1942) descia no hidroavião «Lieutenant de Vaisseau Paris» em direcção à doca de Cabo Ruivo, em Lisboa. A bordo, além de Saint-Exupéry, vinham, entre outros, Louis Couhé (administrador da Air-France Transatlantique), Henri Guillaumet (piloto) e João Júdice de Vasconcelos (director da Aero Portuguesa).

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O mítico escritor e aviador teria, porém, passado discretamente por Lisboa se os repórteres do Diário de Lisboa não se tivessem feito ao rio para o entrevistar a bordo do "grande barco com asas" (de onde não saiu), motivados pelos seus feitos na aviação e pelos três livros já publicados então: Courrier Sud (1929), Vol de Nuit (1931) e Terre des Hommes (1939).

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"Atracámos no «Lieutenant» e, penetrando na carlinga, descemos ao piso inferior. Aqui o segundo piloto, Cariou, com o seu «macaco» branco, «passe montagne» enfiado, descansava uns minutos no leito. Ali, mecânicos, atarefados, faziam os últimos preparativos para a largada. Da pôpa do paquete aéreo, surge-nos «Saint-Ex», como lhe chama «L'Intransigeant» de Paris, chegado hoje, com data de hoje, em mangas de camisa, os olhos acusando uma noite perdida. O Sr. Couhé faz as apresentações e ele recebe afectuosamente o seu «camarade» que não lhe deixa livre nenhum dos poucos minutos que faltam para a largada".

Os repórteres do DL conseguiram então arrancar algumas palavras a Saint-Exupéry, realizando uma pequena entrevista, publicada nesse mesmo dia neste verspertino.

- Qual é o objectivo desta sua viagem?

- Venho como terceiro piloto. O primeiro é o meu querido camarada Guillaumet, e o segundo Cariou. Eles, como o navegador Comet, os radiotelegrafistas Neri e Bouchard, e os mecânicos Lemorvan, Chapaton e Coustaline - que nos acompanham - fazem a sua sétima travessia de estudo no Atlântico Norte. O meu principal objectivo foi apreciar o esforço que tem sido realizado pelos meus camaradas e ficar conhecendo esta nova linha.

- Assunto para um novo livro?

- Provavelmente...

- É a primeira vez que atravessa o Atlântico de avião?

- É. Em 1926 entrei como piloto de linha para a carreira Toulouse-Dakar. Como digo no meu último livro, antes de termos a honra de pilotar o correio aéreo, «nós vivíamos no receio pelas montanhas de Espanha, que ainda não conhecíamos, e no respeito pelos antigos». Foi Guillaumet quem me «iniciou». Depois, estive nas carreiras sul-americanas e tive o prazer inolvidável de encontrar, depois de estar perdido, durante uma semana, em pleno inverno, nos Andes, em seguida a uma aterragem forçada numa região deserta, o meu «iniciador». Nesse momento, Guillaumet disse-me: «Ce que j'ai fait, je te le jure, jamais aucune bête ne l'aurait fait!». Depois, coube-me, várias vezes, a sensação de estar perdido no Sahara. Mas adiante... Isso não lhe interessa agora - e temos pouco tempo!

- Qual é o programa desta viagem?

- Vamos daqui à Horta, onde faremos o reabastecimento. Partiremos, não sei se ainda hoje, para a América. Mas se o vento for fortemente contrário, como se anuncia, não iremos directamente a Nova-York, fazendo escala nas Bermudas. No regresso, devemos passar pela Terra Nova, porque nos interessa muito ver o que já há feito, como preparação para as carreiras aéreas.

- Quando partiram de Biscarosse?

-
À meia noite. Durante duas horas tivemos que vir «au ralenti», para não chegar a Lisboa antes de nascer o sol. E mesmo assim amarámos com três quartos de hora de avanço.

- Julga que brevemente poderão iniciar carreiras regulares no Atlântico Norte?

- Os americanos já as estão fazendo e nós esperamos inaugurá-las no próximo ano. O problema, sob o ponto de vista técnico, está resolvido. Estamos muito satisfeitos com o material. Há, apenas, em tal capítulo, um aspecto que requer uma solução melhor: as dificuldades originadas pelo gelo, pela extraordinária diferença entre a temperatura interior do aparelho e a do exterior. Mas tudo se resolverá... É verdade: quer uma lembrança de Paris?

E deu-nos a última edição do «Paris-Midi» de ontem, que se ocupa largamente desta viagem, classificando-a de cortesia, em resposta à visita a França dos srs. Trippe, Whitney e Cone, dirigentes da aviação norte-americana, e dando o pormenor de que a descolagem de Biscarosse seria feita utilizando a balisagem luminosa inventada pelo engenheiro americano Lightbody, e a 6.ª de «L'Intransigeant», já com data de hoje, que chama a Couhé e a Saint-Exupéry «embaixadores da Aviação francesa». Uma dedicatória afectuosa, escrita no seu «Terre des Hommes» - e um aperto de mão de despedida:

- «Au revoir!»

Eram 7 e 7. Começava a roncar o primeiro motor, logo acompanhado pelos outros três. E 10 minutos depois, o «Lieutenant de Vaisseau Paris» descolava para os Açores, onde deve ter chegado às 15 horas.


Saint-Exupéry regressou a Portugal em finais de 1940, tendo ficado hospedado no Hotel Palácio do Estoril, que trocou posteriormente por uma vivenda perto do Casino Estoril. De Lisboa, apanhou um paquete para Nova Iorque, mas foi na nossa capital que ficou a saber do falecimento de Guillaumet, abatido em voo durante a II Guerra Mundial. Da sua estada entre nós, reteve a imagem de Portugal como "O paraíso triste".


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